Sex, 17 de Fevereiro de 2012 15:23
Para falar de educação e tecnologia, o Observatório entrevistou o
professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) Luciano Meira, que é um dos criadores das Olimpíadas
de Jogos Digitais e Educação (OJE).
A OJE é um projeto da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco
que consiste em uma rede com jogos que tentam estimular a convivência
entre alunos e professores, e despertar o interesse pelas matérias
curriculares. Também é colaborador da Joy Street, consórcio que
administra a OJE.
Observatório da Educação - Qual a importância de tecnologia nas escolas?
Luciano Meira -
A pergunta é interessante porque em geral simplesmente nas escolas as
TIs não chegam à sala de aula, elas estão confinadas em laboratórios de
informática. A importância de ter tecnologia na sala de aula
propriamente dita é porque isso daria outro tipo de dinâmica a práticas
didáticas.
Poderíamos alterar o sistema de autoria e voz. Hoje você
tem sistema didático que só o professor tem voz, professor só repete.
Redes sociais podem girar a informação de tal maneira que todos seriam
capaz de autorar conhecimento qualquer. As tecnologias na sala de aula
poderiam dar sustentação para processos diferenciados, autorias, e voz,
distribuir conhecimentos ao longo da cadeia educação não unifocal como
hoje, desprovido de autoria.
Observatório - Pode dar algum exemplo?
Meira -
Digamos que um professor ponha a aula no Facebook. Gestor, professores,
alunos, imediatamente têm acesso. O que aconteceria é o que apareceria
na linha de tempo de todo mundo. O que chamávamos de conversa paralela,
aparentemente não tão focada no tema da aula, começaria a aparecer para
todos e não só para um grupo restrito.
Em uma pesquisa, a gente
já gravou o que eram as conversas, a natureza delas, a maioria dizia
respeito à estrutura do ensino. Não é paralela, o cara está conversando
sobre a escola, ou fazendo perguntas paro colega sobre o assunto. Essa
conversa paralela no sistema tradicional não é tão paralela, e ganharia
visibilidade.
Observatório - Como acontece hoje o contato dos alunos com tecnologia, nas escolas?
Meira -
Nas escolas públicas, os jovens e crianças da classe C têm acesso
surpreendente à cultura digital. Fizemos pesquisa nas escolas e é comum
em escola pública jovens com smartphones, “xing ling”, e um plano de
dados desses acessos à internet. Muitos jovens têm isso, e acesso em
casa também. Tanto é que número de lan houses está diminuindo no país. A
classe C tem acesso a computador, notebook, acesso à internet doméstica
tem aumentado, elas chegam às escolas já num nível de artefatos e
formas de acesso que a escola, por não saber o que fazer, tende a
proibir. Tem escola que reserva ao laboratório de informática esse
acesso de forma muito tosca. Muitas vezes quase a totalidade das coisas
da cultura digital que esses jovens gostariam de acessar e poderiam é
proibido. Instant Messenger, redes sociais, álbuns de fotografia: todos
proibidos. Jogos. Tudo que eles gostam de fazer fora da escola é
proibido dentro.
Temos olimpíada de jogos digitais e educação,
gincana de videogame, com mecânica clássica dos jogos divertidos, rede
social, e permitido dentro da escola, por ser um projeto da Secretaria
de Educação. Usando as coisas que os meninos gostam dentro da escola e
fazer com que eles se interessem mais em conteúdos da escola e assim por
diante.
Observatório – O que acha das atuais aulas de informática?
Meira -
Tem tarefas que o professor pede para serem resolvidas, mas a forma
como isso é feito é deslocada dos processos da sala de aula. O cara tem
que ir pro laboratório e fazer pesquisas desinteressantes, que não usam o
que os meninos gostam. Existe um divórcio entre o que as crianças e
jovens já sabem fazer e a escola. A escola dispensa conhecimento, não
entende que ela deve oferecer aos jovens ensinamento. Jovens têm
conhecimento pragmático interessante de como trocar informações,
construir coisas. As escolas não se dão conta, não aproveitam.
Observatório - A tecnologia não distrairia os alunos na aula?
Meira -
Não acho, não. Os jovens as crianças já estão imersas num mundo de
cultura digitais, serviços digitais, então isso já é parte da vida
delas, não ha como tirar delas, parte da cultura; a escola tenta, mas
não consegue deslocar as crianças do mundo delas. E qual o efeito disso:
quando você quer ensinar algo a alguém, você tem que ver o que o outro
já sabe. Lei básica da teoria da aprendizagem.
Em média 50% dos
jovens que deveriam concluir ensino básico na idade adequada não
concluem. Ou abandonam ou concluem fora do tempo. Desses, 40%, deixam a
escola por desinteresse. A escola não captura em mais nada essas
pessoas. A gente sabe que os jovens estão jogando. Umas das formas de
capturar imaginário, prazer, imaginário dessas pessoas é justamente com
coisas que eles sabem fazer. E uma delas é entrar em redes sociais, se
comunicar, jogar online.
Observatório - Qual seria o ambiente tecnológico ideal para os alunos?
Meira - Temos
que aproveitar o que já sabem fazer. Seria interessante ambientes de
redes sociais, jogos online, comunicação, todos voltados pra promover o
contato do aluno como professor. Isso não substitui em absoluta o
contato, a vinculação. Seria forma de vincular melhor. Chamamos de jogos
conversacionais para disparar diálogo, não substituir. Melhores
ambientes são aqueles que crianças já aprendem coisas. Jogando jogos na
internet, se comunicando, usando instant messenger, ciosas dessa
natureza?
Observatório - E os professores?
Meira - Muitos
professores por sua própria natureza não vão entrar na cultura digital,
e eles vão ser úteis também, podem continuar contribuindo se
construirmos ambiente de aprendizagem onde curiosidade do aluno seja
acolhida pelo professor. O aluno está jogando um jogo sobre biologia, e o
professor sabe sobre biologia. Em um jogo que você tenha que atacar um
vírus, o conhecimento do professor sobre os vírus que atacam o ser
humano são úteis. O professor não precisa saber jogar, precisa saber
História, precisa saber acolher esse aluno. Acolher a curiosidade do
aluno. Estou falando dos bons professores. Veja a seguinte revolução -
daqui a vinte anos, esse professor não é gamer, ele estará se
aposentando. Adivinha quem vão ser os professores? Os gamers que usam
todos os artefatos. Esses já estarão totalmente dentro da cultura
digital. Aí que não vai dar para afastá-las [TIs] da escola, mesmo.
Observatório - Tecnologia é apenas uma forma, ou um conteúdo para o qual os alunos devem atentar?
Meira - Os
alunos não estão interessados sobre quão cool é um equipamento. O que
eles querem é conversar, trocar ideia, é marcar de se encontrar. Isso já
dá ideia para você que não é o cara que tem o melhor equipamento, é o
cara que sabe usar de forma a agregar. A se conectar com o outro e assim
por diante
Observatório - O que você acha das recentes compras de novas tecnologias, como tablets, por parte dos governos?
Meira - Acho
adequado. Essas coisas já deveriam estar na escola. Devem estar
acompanhadas, óbvio, com formas de uso, plataformas que sejam úteis na
educação, senão ficarão trancadas numa sala. O governo deve espalhar
tablet e banda larga nos país, não tenho a menor dúvida. Agora,
infelizmente a gente sabe que toda vez que isso é feito um número
considerável dessas coisas é roubado, ou desviado, porque raramente é
acompanhado de programas de uso desses negócios, que efetivamente
coloquem essas coisas em uso.
Observatório - E outras
inovações que podem ser potencializadas com a internet, como a
horizontalidade, a participação democrática, a gestão democrática,
transparente... a tecnologia pode ajudar nisso, ou esses aspectos
ficarão à margem?
Meira - Acho que não vai acontecer só
porque a internet tem essa característica, este modo de arranjo social.
Mas tomara que seja uma influência forte. A forma de autoria dentro da
escola é completamente ultrapassada, anacrônica. Não é à toa porque
nenhum jovem gosta de frequentar ambiente de escola. A gente espera sim
que outros modos comunicativos sobre qual a internet esta sendo
construída possa influenciar sistemas de educação. Isso não vai
acontecer por osmose.
Fonte: http://www.observatoriodaeducacao.org.br